Num Brasil em que a cultura tantas vezes é relegada ao rodapé do orçamento público, a Ópera da Serra da Capivara surge, mais uma vez, como um farol. E não apenas de arte: mas de resistência, de dignidade, de memória coletiva. Este ano, o festival chega à sua sexta edição sob a sombra da perda de sua maior inspiração – a arqueóloga Niède Guidon, falecida há pouco mais de um mês. E mesmo assim, reafirma a convicção de que “o espetáculo não pode parar”. Porque parar seria ceder à omissão, ao apagamento, ao esquecimento. O evento acontece entre 17 e 27 de julho.

O evento, idealizado por Sádia Castro e dirigido artisticamente por Felipe Guerra, é mais do que uma montagem ousada na pedra furada da Serra. É a materialização de uma escolha política: a de investir naquilo que nos humaniza e nos conecta às nossas raízes. Enquanto governos sucessivos fingem que o Piauí profundo não existe, a ópera devolve à Serra sua centralidade – e faz dela um palco para contar histórias universais com sotaque nordestino.
Este ano, a releitura de O Fantasma da Ópera ganha um tom quase profético: um fantasma ronda, de fato, a cultura brasileira – o fantasma do desmonte e do descaso. E a resposta, mais uma vez, vem do povo, das lideranças locais, da ousadia de transformar sítios arqueológicos em arenas de beleza e reflexão.
Não nos enganemos: eventos assim não são apenas festivais. São afirmações de que um povo existe e tem direito à arte, à memória, ao turismo sustentável e ao orgulho de si mesmo. E são, por isso mesmo, incômodos para quem prefere um povo domesticado, isolado, sem voz.
Os números mostram o impacto: o turismo quadruplicou, a economia local gira, a autoestima da comunidade se fortalece. Hotéis surgem, artistas aparecem, a Serra da Capivara deixa de ser só uma fotografia numa apostila de escola para virar destino turístico e cultural. Tudo isso fruto de uma visão que compreende que cultura é também investimento e transformação social – não apenas despesa.